Pensei bem e decidi: vou largar a barra da saia da mamãe. Deixar pra trás a cama sempre arrumada, as roupas limpas, o leite no pires. Não quero mais ganhar presentes sem merecer, nem afagos a qualquer hora do dia. Me cansei dessa vida de filho único. Estou com saudades de não sei o que, só sei que é de coisa que não vivi
Não quero mais gastar meus dias entre livros. Não quero mais perder a noção do tempo, imerso num mundo que não é o meu. Preciso descobrir o que existe do outro lado, sentir o perigo de perto. Quero sentir medo. Quero sentir paixão, ter o sangue pulsando agitado, das pontas dos pés até as orelhas.
Quero a prova de que tudo que eu ouço é verdade. Quero experimentar novos sabores... azedos demais, salgados demais, amargos... Preciso de um corte no dedo que cicatrize sem curativo. Preciso esperar no ponto por um ônibus que não vai chegar nunca. E quando todas essas coisas já forem rotina pra mim, vou correr na chuva, chorar ouvindo uma música, pegar um resfriado, ficar na cama sentindo a solidão, esperar telefones que não vão acontecer.
Mas, quando a felicidade me pegar de jeito, vou senti-la plenamente em cada poro, em cada célula do meu corpo. E celebra-la, como se eu pudesse ser o último no mundo a senti-la. Abro os braços, inspiro fundo e me lanço da janela. Quatorze metros e meio até o chão. Restam seis vidas.
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